segunda-feira, 26 de abril de 2010

Absurdo calendário

imagem: Emerson Luis de Souza
http://br.olhares.com/calendario_solar_asteca_foto2948182.html

Antes do sol amanhecer as claridades, os dias seguiam-se os mesmos, previstos em horas e espaços, esbarrando nos comedimentos, nas sinalizações de desvios que apontavam sempre para o mesmo lugar...
Antes, haviam os desvios nas rampas dos jardins sonoros, um emaranhado de verde esculpido em sons que formavam a teia do desconhecido, mas os caminhos, todos desviados, apontavam sempre para o mesmo lugar...
E eu seguia pensando ser a mesma, certa das trilhas, grávida de descoberta, tateando mesmo que de longe, as paisagens emaranhadas que se revelavam pelos corredores barulhentos do querer, pelas janelas que impediam mas não disfarçavam o calor do outro espaço e que mostravam sempre para o mesmo lugar, aquela paisagem...
Quando o sol dilatou de vez, explodiu inteiro, inundou de sentidos dias e noites, as rotas antes só imaginadas, iluminou os porões do desconhecido, esquentou a morna distancia daqueles caminhos, preencheu de sutilezas, texturas, sabores e arrepios cada nota, num absurdo calendário de terças, quartas, quintas, segundas invertidas, dobradas, justas, sobrepostas, sortidas sonoridades que mesmo antes, muito antes desse sol amanhecer as claridades, apontavam sempre para o mesmo lugar...


quarta-feira, 7 de abril de 2010

O rio que serpenteia nossas vidas

foto: Jordanna Duarte
 
quando a serpente surgiu
se esgueirando no entre Minas-Goiás
deu o bote
injetou rastros de vida
em nossas almas
agora, a serpente vista de cima

no entre aqui e o que ficou
é só saudades...





Sobrevoando o entre Minas-Goiás de minha mãe e meu pai. 
Um tempo na vida de tantos antes, na vida de muitos de agora.
Nossas vidas se misturam com as histórias do Paranaíba.

à Diva e Jerônimo.

Epifania do silêncio

imagem: Pablo Picasso
Les deux saltimbanques, 1901
 
Disse que viria naquela manhã. As janelas abertas, arejando. A brisa varrendo a poeira dos móveis. Chegou. Os cachorros se alegraram. Não hesitou. Foi em direção à geladeira, nada apetecia. Sentou na poltrona, leu os extratos do banco, mexeu no celular. Provavelmente, mandou uma mensagem. Não hesitou. Foi embora. Deixou a porta aberta. Fiquei esperando um aceno.


Escritos Alheios (II)


O mar que me inunda


E o tempo mudou. A previsão era de calmaria, de céu aberto, de flores da estação. De mar sem ressaca. Erraram. Tudo aconteceu como não se tinha previsto, da maneira como não contaram. Aconteceu da maneira que se vinha. No anúncio do frio, da chuva, da falta de energia.
Agora o tempo é de vela acesa. Fina luz a iluminar, a oscilar num dia escuro e numa noite clara, de insônias e descompassos.
No amanhecer o mar tomou de sobressalto os mais comedidos os mais sonolentos os mais desavisados os mais crédulos. Arrebentou. Em ressaca.
Tudo estava cinza... a onda cinza... o mar gelado de cinzas... Nem Iemanjá se vestia de azul. Ninguém se despia se via se dava na orla deserta. E o mar arrebentava sozinho em cinzas esperas.
As flores, as promessas das flores, murcharam em outono cinzento. Em mar de ressaca. Esperava-se que o céu abrisse, como fora previsto. Dias e noites de esperas sem sucesso. E na orla o mar arrebentava.
Num outro tempo, de tarde gris, o prenúncio da volta. Ao longe se anunciavam as claridades. Um balé solitário. Era o começo.
Mas o mar, o mar ainda arrebentava...


segunda-feira, 5 de abril de 2010

domingo, 4 de abril de 2010

Escritos Alheios (I)


imagem: William-Adolphe Bouguereau
Biblis (1884)

Aviso ao sapinho da lagoa

Êh, sapinho...
Ficas aí a coaxar sinfonias em meus ouvidos
Não sabes tu o que sinto
Sapinho, sapinho...
Estou de longe a admirar-te
A ouvir-te em teus encantos

Sapinho... Aviso-te,
Um dia pulo daqui
Desço desse largo espaço-tempo que nos separa
Caio em tuas águas
Tiro-te de tua folha segura
Tua âncora, teu cais

Transformo tua água serena de lagoa
Em mar de ressaca
Raios e trovões
Da tempestade de meu desejo

Tiro-te do sossegado de tuas estadias
Da folha-promessa de teu refúgio
Deixo só teu coaxar de refinadas poesias

Abalo-te com meu mar de ressaca
E depois,
Revelo-te meu céu
Calmaria depois de chuva brava
Céu de limpo arco-íris
Flores de flamboyant´s maduras ao entardecer

Entrego-te meus ouvidos, meus sentidos,
Meu aberto, pronto e sutil bem-querer
Para tua doce, refinada e completa sinfonia...
Dou-me...

Conhecerás o tranqüilo irrequieto de meu coração
Doces assustados de meu mel, de minha boca-céu
Funduras azuladas de minhas paisagens
Luas tantas de minha alma e firmamentos meus

Terra arada, pronta pra receber semente
Sedenta de tuas águas
Das tantas lagoas e mares de teu viver

Minhas miudezas escondidas em grandes baús
Meus balões a colorir teu céu...

Mas depois,
Só depois
Que eu te tirar do sossego de tuas águas...


Amanheça baby Sun!

foto: Jordanna Duarte

Amanheça baby Sun!
Acorda pra ver o que nasce
Desperta pra ver o que acontece

Amanheça baby Sun!
Acorda pro meu sonho
Desperta no meu sono

Amanheça,
Conta pra mim aqueles segredos
Sussurra aqueles desejos

Amanheça,
Dos sonhos, em transparências
Das sombras, em melodias

Baby,
Amanheça pro meu tormento
Amanheça pro meu desespero

Baby,
Amanheça pros meus sentidos
Amanheça nos meus silêncios

Aconteça,
Nos meus dias
No meu tempo

Amanheça,
Transforma as minhas horas
Transtorna o meu calendário

Desponta baby Sun,
Flor abrindo em novembro
Flamboyant florindo a tarde

Ah, baby Sun,
Das palavras sem voz
Devora-me


(É assim, quando baby Sun amanhece.
É assim, baby, quando amanheço.)



Metade de mim dói

imagem: Anabela Carrêga
 

Metade de mim dói
Retorce dores entardecidas há dias
Comprimidos enjôos matinais
Me despertam

Metade de mim dói
Vibra do lado esquerdo
Um desânimo de cama

Metade de mim dói
Perde visão
Adormece membros

Metade de mim dói
Queima na fissura da dúvida
Procuro um anti-veneno
E tomo o dobro de cuidados...