sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Da série aniversários – do meu aniversário

foto: Jorge Claudino
http://olhares.uol.com.br/aniversario_foto1475593.html


Ainda não amanheceu mas já é o dia do meu aniversário.
Faço um chá de hortelã, sento na poltrona, visualizo a casa, com carinho passo os olhos nos cachorros, dormindo inocência no meu dia que ainda não amanheceu.
Vejo a flor teimosa na bancada, despontando pequenas seduções em rosa e verde e penso como será esse meu carnaval renascendo nesse meu dia.
Ainda não amanheceu mas aurora em mim um cintilado de pensamentos e sonhos e devaneios e expectativas dessas que só se encontram no perdido da noite que promete vingar um rebento dia ensolarado de parabéns e abraços. (E alguns abraços não serão dados, mas estarão apertados como um dia estiveram enlaçados como quando diziam fica um pouco mais em mim).
E penso no que será que será dessa música começada, na toada da valsa que me baila nesses dias e vejo que é mais um ano e percebo o cabelo que descolore rubroloirobranco (nem tanto!), e o viso daquele sorriso que hoje amadurece um pouco, das mãos que apalpam sonhos vindouros deixando escapar outros sonhos daquela meninice florida na mesma rampa dos jardins sonoros daquele outro tempo (você sabe), que ainda persiste (sentimos), mas se esvai aos poucos na lembrança (sofremos).
E olhando pra casa, no quadro de tapetes de retalhos vejo minha mãe costurando fugazes carinhos, dormindo no sofá enquanto espera a noite entardecer mais um pouco. E vejo também meu pai por aqui, na minha poesia e naquela presença forte do leão que domina e protege a cria. Eles estão para lá dos meus sentidos poucos e só posso tomar mais um gole desse chá morno que esquenta por dentro fazendo brotar mais perfumes nessa minha noite tão longa de insônia que promete o dia da felicidade.
Vou continuando no chá, nos carinhos que dormem pela casa, nos carinhos que vagueiam pela casa e nos carinhos que prometem as saudações.
Mais um gole, concentrada na caneca do Elvis, cheia desse sabor morno de planta do quintal e devaneio mais um bocado no que me espera ao raiar do dia, o que me trará o sol a pino, nessa secura de deserto por onde caminho e só resta, na difícil vida do deserto, caminhar. Barganhar oásis e disputar água com os camelos. Eles sim, sábios xeiques do deserto sabem onde encontrar a água e fazer dela promessa não compartilhada (às vezes, um tanto mesquinhos).
Caminhando (com menos aridez, não nos pés, mas nos sonhos) no dia próximo que logo se levanta e penso agora ser recomeço. Me disseram que Saturno já se foi. Outros planetas circundam. O Sol brilhará em Virgem. Talvez, façam Peixes nadarem feito golfinhos, cheio de delicadezas deslizantes. Tragam um tanto mais de alegria, do humor despojado, do riso largo e espontâneo e aquele fervor em viver, desfrutar as tardes e ver meus flamboyant´s florindo na alameda. (Nada me agrada tanto quanto ver meus flamboyant´s colorindo a estrada).
E me bate uma força de Iansã, guerreira que habita em mim e que teimo, em vão, deixar debaixo das pedras. E me sacode em raios e gritos e diz que não é assim que meu dia amanhecerá no setembro de minha primavera.
Assim, penso que logo em poucas horas, no primeiro raio de sol do meu dia renasço, brilho, vibro, desponto e o sol iluminará meus caminhos, clareando outros novos.
Último gole de chá. Tudo quieto por aqui. Dentro de mim, uma revoada de pássaros me levantando pelos cabelos. Assim, renasço lá de cima para me habitar novamente. Volto para a cama (onde ninguém me espera) porque o meu dia ainda não amanheceu. Esperar por ele.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Bote pronto

foto: Carlos Candido
http://br.olhares.com/o_bote_foto2642493.html

De longe ela, inerte, me espreita, me observa, tento me refugiar, me ocultar, mas me acompanha, não precisa caminhar até mim, se arrastar, está lá inerte observando, sugando o clima, me contendo em meus caminhos, solenemente abre meus rastros no descompasso da minha vontade, mas não se move. 
De longe ela se levanta, se anuncia, me retrai. Interfere. Resolve caminhar, vem sinuosa, sentindo o friocalor do movimento, vem no passo do meu descompasso, do meu caminho, da minha rota de desvio, me acompanha. Interfere. Sinto. Não tenho medo, escuto seu desenrolar, sinto o cheiro. 
Não tenho medo. Paro. Espero. 
De frente, se enrosca, sufoca, torce, espreme a dor, sufoca mais pra ter prazer. Só sinto. No olhar se revela e tantas vezes tentou se ocultar, viver na sombra, na desfaçatez dos sentidos, impedindo, tolhindo, espreitando. Deixando viver o que queria, mas quando não quer, se enrosca mais, comprime mais. Tem um prazer no olhar, de ver a dor, de provocar mais. 
Está lá, limpando meu rastro quando quer se movimentar e só se movimentar por isso. Estaria lá, só a observar. Mas antes o cheiro, que chegou antes de acordar, não viu outro movimento porque estava ausente na sua presença, pensou que controlava só por existir, mas teve que vir, sinuosa a me limpar. Está de frente, bote pronto, mas não há o que ferir, só o que olhar. Me percebe. Só percebe de longe e bote pronto. Não sabe me tocar, não há o que ferir. Procura outro ponto, num outro, o ponto de morder, de sim, ferir, impedir, torcer. 
Assim, me provoca, me suga. Doi. Sinto. 
Rastreia sibilar meu caminho, as rotas, os refúgios. Desce sinuosa no seu assobio, se apoia pra chegar mais dentro, mais forte na dor. 
Na dor de ser um, na dor de ser dois, na dor de ser três e dor alegre de ser mais um, que entrou pra ser bom, ser bem, ser inteiro na medida da inteireza repartida, ser possível na medida dos sonhos possíveis. Afastar o pesadelo da viscosidade, da frieza, do enrosco de ser tudo ao mesmo tempo, se esquecendo de ser. 
Está lá de bote pronto, ativa, anunciando seu barulho para afugentar, colocar de lado.
Ainda me espreita. 
Sinto. 
Não tenho medo.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Pescaria

foto: Edeni Mendes da Rocha
http://br.olhares.com/joias_foto3047904.html

No rio do inconsciente
pesquei um diário
nele não havia palavras
encontrei jóias raras
contas coloridas 
pra enfeitar os meus dias!