foto: internet
Sou descendente de sertão. Minha ascendência é o interior.
Impregnado da poeira de Minas, do ser-tão distante de meu avô, que veio cortando o deserto das terras férteis entre montanhas, a procura de um Pai mais Eterno e mais Divino ouvindo dias a fio a canção redonda e untada das rodas do carro de bois.
Tropeiros do deserto, tão retorcidos, curtos, enrugados pela dureza árida da vida, do sertão, do interior deste cerrado que habitamos. Nas paradas longas desta viagem de bois, gente, crianças, tios e mãe, a trégua da ladainha para agradecer uma água de fonte pequena, jorrando fresca, para aliviar a sede da busca, da caminhada de passos curtos numa estrada tão longa de desejos, de sonhos e de alentos.
Uma vida para contar a poesia brusca do pão nosso de cada dia, uma reza em que hoje ainda soa nas ave-marias silenciosas das noites, uma vontade de hóstia escorrendo na boca a secura do milagre, esperado e espalmado na longa travessia desde a cabeça da serpente chamado Paranaíba. E ainda falta muito chão.
Passando pelos bois, os trotes de outros cavalos, tão solitários quanto a família que caminha unida para o desconhecido, banhados pela luz intensa do sol à pino e consagrados no manto da senhora matriarca de todos nós. Uma mãe tão cheia de graça pedalando o tear, colhendo o algodão para tecer a vida dos pequenos, para cardar os braços dos homens.
Santificado seja o nome deles, que fizeram nosso reino tão duro e tão profundo de poesias e sons. O manto sagrado que lhe cobriam a cabeça de azul profundo estrelado hoje cerca-nos acima, feito aureola consagrada no coração da virgem.
Da prece santificada fez-nos enricados de poesia da vida, de sons redondos, zunindo no estradão, tão longos e tão duros quanto o chão riscado pelos bois, cangados obedecendo o passo ao ermo dos desejos.
Ainda resta-nos nossa travessia. Desbravar o ser-tão grandioso de nossa jornada, encontrar e encantar a serpente que nos avista, às vezes, espreita. E a procura do divino mais amado e sagrado habita-nos. Às vezes, sem hóstia, sem terço mas com a prece divina encantada de nossa herança, confiada no vir-a-ser sendo, na coragem nossa de cada dia. (Jordanna Duarte ®)
Belo texto!
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