quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Palavra-pipa

imagem: Jordanna Duarte

Queria que as palavras saiessem sorrateiramente de dentro de mim, 
ganhando o dentro das retinas, pra dentro do tato, estalando; 
Saindo assim, ganhando o mais de dentro de mim, surdamente,
esculpindo picos de liberdade profunda, do mais contido de mim,
silenciosamente, movendo, no intermitente de meu pensamento, deslizando aromas,
aqueles sutis, brotados do aconchego profundo da lava mãe, que faz as aparecências do instante.
Queria que as palavras falassem antes de mim, do limite entreposto entre eu e elas,
vertentes consolidadas de vozes arredias, arrepiadas de bocas ferozmente pintadas.
Se elas saissem assim, parto normal do meu inconsciente, gestado fora do tempo, sem organização de limpezas, assepsias, remédios ortográficos, tic-tac me acordando, paralelepípedos se metendo no meu caminho, ou flor penetrada no asfalto ao sol do meio-dia,
seriam uma brotação:

dia inteiro se fazendo vida, se tornando caminhada, pés acomodados na terra-palavra, daquelas que eu posso inventar, que eu posso amassar, feito barro, feito massa, pra moldar, desmanchar,
fio de doce tecendo levezas, arrematando pontos-palavras,
zigue-zagueando, brincando criança soltando pipa
pipa-palavras saindo de dentro de mim, pintando, bordando o sol, 
carretel de palavras, saindo de dentro de mim, vindo pro dentro de mim.

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